Depois da chuva

Escrevendo Infinitos porque não há caminhos. Eles se fazem ao caminhar

Depois da chuva

Imagem de divulgação do texto Depois da chuva do livro Obituário da Esperança - por um esperançar que transforma
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Depois da chuva

(29/05/2020)

por Guilherme Fraenkel

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Imagem de divulgação do texto Depois da chuva do livro Obituário da Esperança – por um esperançar que transforma foto dandelion de Steve Humber em freeimages.com

Hoje, a partir da pandemia do Corona vírus COVID-19 e de todas as medidas necessárias para sobrevivermos passamos a viver uma provocação da natureza no que diz respeito à forma de nos relacionarmos.

Repensarmos nossa presença no mundo e a forma como interagimos com a vida se tornou prioridade urgente e, à medida que avançamos para solucionar este desafio, descobrimos muitas possibilidades e passamos a questionar algumas verdades estabelecidas.

Muitos de nós tivemos que reinventar a maneira de viver e neste exercício intenso tropeçamos em alguns conceitos que exigiram revisão para sermos aptos a seguir com capacidade produtiva e equilíbrio psíquico. Acredito que palavras como presencial, virtual, online, à distância, real, normal, verdade e mentira estejam entre os conceitos que carecem de urgência de redefinição.

Fisicamente isolados, mas cheios de necessidade de nos mantermos interagindo uns com os outros, nós migramos para o universo paralelo do mundo digital através das tecnologias da informação e fomos obrigados a revisitar conceitos e preconceitos em busca de novos caminhos de interação.

As interações através de redes sociais, os ambientes de ensino à distância e as plataformas que disponibilizam conteúdos ganharam a súbita atenção de gigantesco exército que vivia alheio às possibilidades que a vida digital oferece. Uma nova corrida do ouro teve início e centenas de produtores de conteúdo intensificaram suas presenças digitais enquanto muitos outros ingressaram no mundo até então desconhecido.

O virtual virou o novo real e o online se torno uma necessidade concreta desafiando nossas habilidades de abstração do pensamento e exigindo a construção de novos hábitos e a conquista de novas habilidades.

O analfabetismo digital ficou explícito. Assim como muitos preconceitos e os abismos entre jovens e idosos, ricos e pobres, letrados e não letrados. Um novo paradigma está estabelecido definitivamente na humanidade oferecendo oportunidades incríveis e desconstruindo sistemas sólidos até então.

Novos desafios surgiram à medida que passamos a repensar a humanidade a partir dos modelos de relação que hoje buscam o menor contato físico possível mas que exigem interação constante e contínua em plataformas digitais ágeis e seguras.

Ansiedades, medos, paralisias e acelerações nos tomaram de assalto à medida que buscamos superar o momento criando uma normalidade temporária na expectativa de que, em breve, retornaríamos à normalidade conhecida e segura.

À medida que o tempo passou e os dias de isolamento viraram semanas passando a exigir modelos mais permanentes, eficazes e eficientes, começamos a rever e discutir nossos modelos de interação para considerar o virtual como uma necessidade e não apenas como uma ocupação de quem não tem nada a fazer ou que foge de sua realidade.

É claro que cada parcela da civilização humana está vivendo estes dilemas em níveis diferentes, que há aqueles que já estavam engajados nesta virtualidade e que alguns passarão este momento e seguirão ausentes no mundo virtual.

Entretanto, temos uma certeza que julgamos irrefutável. A humanidade jamais retornará à normalidade anterior e tão pouco se manterá no ponto em que está.

Seguiremos com um sabor azedo e instigante de novas possibilidades e com o desejo de retomarmos algumas dimensões presenciais com mais liberdade e flexibilidade.

Seguiremos mais conhecedores dos processos de exclusão promovidos em nossa sociedade e mais conscientes da necessidade de revermos normas e papéis sociais. Talvez tenhamos até mesmo que adaptar legislações e modificar culturas.

Parece que encontros virtuais passarão a fazer parte de um novo normal e que a própria ideia de presença será revista. Já conseguimos ver pessoas reunidas em uma mesa tendo alguns lugares reais substituídos por um quadrante em um enorme monitor colorido conectado à internet.

Ingressos para shows online estarão disponíveis com mais frequência e plataformas de apresentação em tempo real poderão ganhar força eliminando a exclusividade do mundo das camgirls. Pagaremos créditos para ouvir poesias e músicas em tempo real e a modalidade de homens e mulheres nuas será apenas mais uma entre dezenas de opções de shows a serem consumidos ao vivo. Novas profissões poderão surgir. CamPoets, camSingers, camPerformers, entre outros levarão entretenimento, arte e cultura através de shows exclusivos em tempo real.

Consultas, aulas, aconselhamentos, consultorias e assessorias passaram a ser realizados com mais frequência pela internet e um novo natural eclodirá enquanto expressão humana demarcando uma nova era para a humanidade que começou a aprender sobre a popularização da conexão humana através das vias digitais.

O tempo está sendo redesenhado pela humanidade e a ideia de alta disponibilidade instantânea parece perder um pouco de espaço para as interações contínuas em um ambiente de múltiplas plataformas e possibilidades. Talvez tenhamos concluído que não damos conta de estarmos disponíveis em tempo real para todos aqueles com quem interagimos para existir mas que podemos ter conexões de qualidade se reduzirmos as expectativas de interação e diluirmos os contatos através de interações frequentes que nos permitam priorizar assuntos, tarefas e pessoas.

O conceito de normalidade cede ainda mais espaço para a ideia de diversidade e o respeito torna-se uma bandeira ainda mais valiosa que estabelece públicos ou que delimita e exclui comunicadores incapazes de perceber que não existe mais uma única verdade mas sim tendências de pensamento e de atitude.

Ser humano passa a ser uma tarefa um pouco mais complexa ao sairmos da geolocalização de nossas presenças e abraçarmos a localização por interesses, propósitos, gostos e sintonias rompendo as fronteiras geográficas e até mesmo as linguísticas e culturais.

Nossas aldeias, mais do que nunca, passam a ser definidas de forma abstrata. Giram em torno de si mesmas e nos convidam a sermos além de nossas expressões físicas. A partir deste ponto teremos que repensar todos os ambientes em que estamos inseridos na sociedade.

Depois desta chuva que traz novo ânimo ao solo cansado e seco da humanidade indiferente e desatenta percebemos que é possível rompermos a casca que nos constrange enquanto sementes de uma humanidade justa, boa e generosa. Talvez a resposta natural de Gaia, a mãe terra, às nossas súplicas tenha sido a provocação para pensarmos de forma diferente a partir da imensidão de recursos que já fomos capazes de construir ao invés de seguirmos nesta busca desenfreada pelo que nos falta.

Talvez a chave para uma nova era de felicidade e de justiça social resida na desconstrução de normalidades e na construção de novos padrões civilizatórios utilizando prioritariamente o que já conseguimos construir e buscando usar com mais sabedoria, eficiência e eficácia as possibilidades disponíveis.

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