Jurema

Escrevendo Infinitos porque não há caminhos. Eles se fazem ao caminhar

Jurema

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Jurema

por Guilherme Fraenkel

A luz amarela dos postes combatia a impressão romântica oferecida pelo astro reinante no céu estrelado e sem nuvens. O silêncio sepulcral das ruas vazias abraçava sua alma atônita e o cheiro do lixo dos prédios e casas substituíam a alfazema barata trazendo mórbido alívio para uma alma perdida que vagava pelas calçadas de Botafogo.

Há exatos sete dias Rodolfo não andava sem rumo. Enfrentava o calor da noite carioca de folga com muito sexo e nem se dava conta da enorme tempestade que lambia os becos e ruas da favela. Hoje talvez estivesse perdido em algum motel barato da Avenida Brasil travando estupendo embate com a nega Jurema, mas o destino pregou-lhe uma peça.

Seu treinamento de segurança, os riscos da atividade noturna rotineira e a violência usual com que resolvia as querelas da noite não foram suficientes para vencer a solidão que lhe abatia. Os lençóis suados, a cama vazia e o leve perfume de alfazema barata em seu travesseiro finalmente venceram-lhe. Fora expulso de casa, descera o morro e agora vagava solitário em busca de algo que pudesse preencher-lhe a alma.

As calçadas desprovidas de viva alma ecoavam seu interior e lembravam-no das peraltices que preenchiam suas noites de folga. O sorriso branco daquela negra esbelta vinha à lembrança a cada olhada para o céu. Podia sentir sua respiração ofegante, o sabor de seus pequenos seios, a bunda de parar o trânsito e os gemidos que denunciavam a ocupação noturna do pequeno barraco no Dona Marta.

– “Puro gozo” – pensava enquanto a água fria do chuveiro tornava a expectativa do caminho para casa suportável. – “A maior sorte dos últimos tempos. Quem diria que a boate onde trabalhava seria fechada pelo corpo de bombeiros… Pelo menos alguém tinha se dado bem com tanta gente morta na tragédia de Santa Maria no Rio grande do Sul” – Pensava enquanto arrematava a barba no espelho quebrado do minúsculo banheiro de funcionários da boate.

O silêncio quebrado pelo caminhão do lixo trouxe-lhe de volta à mente a lembrança recente dos gemidos de prazer de sua nega. Mas havia algo de errado, ele ainda estava fora do barraco e não podia acreditar que todo seu empenho e dedicação não foram suficientes para aplacar a fogosa mulata de pernas grandes que cheirava a alfazema.

Podia esperar tudo, menos ser descartado como saco de lixo que será recolhido por pessoal especializado e conduzido para algum lixão onde abutres, cães e catadores remexem os restos na expectativa de tirar algo de valor.

Mas como aceitar o par de chifres e viver feliz com sua nega?

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