Noites e Dias

Escrevendo Infinitos porque não há caminhos. Eles se fazem ao caminhar

Noites e Dias

"Através das folhas" de Ryan Vinson em Freeimages.com

Noites e Dias

texto de Guilherme Fraenkel

Finalmente descobri porque existem Noites e Dias! Os físicos dirão que tudo acontece devido ao movimento de rotação da Terra em torno de seu eixo e de sua relação com o Sol. Segundo a ciência moderna será sempre dia na face da Terra voltada para o sol e noite na outra face.

Jogos de luzes e de reflexos, angulatures, velocidades e proximidade com nosso satélite natural, a Lua, determinarão noites mais escuras ou mais claras e até mesmo dias em que é possível ver a lua e o sol bailando juntos no céu. Verdades matemáticas, físicas e astrofísicas que descrevem uma faceta da vida que se repete da mesma forma há milhares de anos gerando inspiração e aquecendo a forja de humanidades e de culturas.

Mas as Noites de Paulo Coelho em Brida não falam de órbidas e de números como a ciência. Elas trazem mistério e a possibilidade de entendimento de um mundo fantástico que transcende as linhas da criadas pela razão, pela observação e pelos cálculos da física para revelar a um grupo de místicos algo muito maior que as dimensões materiais do universo.

A Lua Nova atua para centenas de ceitas e culturas assim como as demais fases de formas subjetivas, espirituais e intuitivas através de modelos não compreendidos pelos doutores das academias. Luas minguantes, novas, crescentes e cheias rompem a pobreza da ciência e significam humanidades determinando humores, signos, momentos históricos e até mesmo o melhor momento para o corte dos cabelos.

Talvez algum dia os cálculos precisos da física astronômica sejam capazes de abraçar tamanha diversidade! Talvez eles nunca se ocupem desta humanidade subjetiva.

Vidas regidas por ciclos cujas fases determinam acontecimentos conforme o conhecimento ancestral de cada cultura e que mesclam-se com o fenômeno da globalização e a pesar da oposição da ciência. Fenômenos observados à distância pela antropologia, pela sociologia, pela psicologia e talvez pela arte que também rompe o namoro com a ciência para gerar conhecimentos distintos

Pessoalmente gosto de pensar na Noite como a hora do sobrenatural. Um momento em que nossos fantasmas e medos eclodem lembrando-nos de nossa mortalidade terrestre e provocando-nos à busca da compreensão. Paulo Coelho diria tratar-se do mergulho na Noite Escura que pode revelar os mistérios da vida para quem os busca.

Para mim a Noite existe pelos seus mistério, crenças, misticismos, religiosidades e humanidades. Valores que talvez tenham ficado relegados a um tempo em que a ciência não imperava mas que trazem seus reflexos até o presente.

Vivemos assombrados por nossos fantasmas à Noite e adormecidos pela ausência deles durante os Dias. Você já reparou como todos os filmes de terror acontecem entre as sombras noturnas e trazem alívio e segurança durante o Dia? Isto deve significar alguma coisa…

Os astecas veneravam a força do Deus Sol, preponderante sobre a vida embora os dias tenham a mesma duração das noites na região. Diversas culturas falam do Sol como potência divina e da Lua como mistério. Há filmes, livros e peças de teatro que exploram esta dualidade.

A ciência diz que as plantas não crescem durante a noite e que a ausência do sol decretaria o resfriamento considerável das superfícies planetárias. Mas a mesma ciência também nos fala das marés cheias que acontecem pela força de proximidade da Lua e nos diz de fenômenos bio-químicos que só são possíveis à noite.

Talvez a Deusa Lua tenha sido relegada ao segundo plano por uma sociedade patriarcal que coloca o feminino sagrado em segundo plano. Talvez tenhamos escrito as bases de nossas culturas em tempos em que não se podia fazer muita coisa sem a luz solar…

Vencemos as restrições biológicas, sintetizamos elementos químicos importantes à vida, inventamos a iluminação artificial e a vida humana floresce em grandes cidades de forma independente da quantidade de luz natural ou do calor presente.

Fábricas funcionam em turnos noturnos atendendo às demandas de mercado, boêmios aproveitam a noite para significar suas vidas enquanto muitos dormem e outros exploram seus vícios e os pontos fracos da sociedade.

Crimes acontecem à noite reforçando nosso medo deste horário e grandes amores se consolidam decretando um romantismo diferenciado que valoriza os jantares e as penumbras das alcovas. Mas o Sol no horizonte tornou-se um marco importante para quem cronometra quantas horas restam para agir fora de casa, enquanto ainda há luz.

Dizem que os espíritos atuam livremente durante a noite e que sofrem restrições quando o astro rei se manifesta decretando o Dia. Mas eu gosto de pensar que nós também estamos livres de nossos corpos à noite e talvez por isso os espíritos atuem tão intensamente. Esta seria a melhor hora para realizar encontros e confabular planos. O descanso do corpo cria uma ponte entre o mundo dos vivos e o dos mortos através da qual resgatamos nossa dimensão imaterial…

Com os corpos adormecidos, libertamos nossa essência para vagar pelo mundo sem as amarras de um corpo denso e pesado. Encontramos nossos fantasmas e nossos benfeitores. Fugimos e lutamos conforme nossa visão de mundo. Mas uma coisa é certa. Não ficamos parados enquanto o corpo se recupera de um dia estafante.

Pelo menos é assim que penso…

Há quem aproveite as horas de liberdade que o sono do corpo oferece para buscar instrução e tratamento. Outros estreitam laços e reencontram antigos conhecidos enquanto a Noite tece sua trama que ficará marcada de forma inconsciente no próximo Dia.

Mas para este “autor-contador de histórias” que vos fala, talvez uma noite seja tempo suficiente para despertar nossos fantasmas e potenciais para que durante o Dia seguinte sigamos em nossos automatismos reformulando hábitos, costumes e valores forjados pelos evos dos ciclos de noite e dia que provocam o despertar para nossa essência imaterial.

Talvez as Noites sejam mais importantes do que os Dias! Mas quem suportaria estar em contato integral e consciente com seus próprios fantasmas?

Então surgiram os Dias! Um momento de folga em que temos a chance de reformular nossos conhecimentos, desfazer nós criados e provocar a grandiosidade de nossa dimensão espiritual com a pequenez de nossa mortalidade circunscrita ao planeta Terra.

Os cientistas e adeptos do pensamento científico talvez objetem a minha fala e confesso que a tentação seria gigantesca de apresentar-lhes muitos argumentos favoráveis ao meu ponto de vista. Mas talvez este debate sobre a importância da Noite sobre os Dias seja realmente infrutífero…

Há os que consideram a dimensão temporária e material como vital para significar suas existências e eles têm o direito de julgarem-se donos da ilha.

Há aqueles que enxergam nos mistérios ainda ocultos à ciência e revelados pelo misticismo o real valor da vida e que, portanto, apostam na imortalidade. Eles tem o direito de sentirem-se aprisionados na ilha e desejar a liberdade do infinito.

Mas, como disse, importo-me com o fato de que aqui onde vivo, Dias e Noites possuem a mesma duração e que isto deve significar algo para meu posicionamento diante da vida.

Anseio pela vastidão infinita do universo enquanto sigo prisioneiro em na ilha Terra devido ao desconhecimento dos mistérios que lentamente são descortinados.

À medida que a humanidade amadurece, que descobre novos fenômenos e que inventa ciências para estudá-los, percebemos que os infinitos são muito maiores e muito mais incríveis do que imaginávamos.

Sonho com o dia em que todas as ciências e todas as religiosidades se reunirão em um discurso multifacetado de uma única expressão humana artisticamente bela e complexa. Sonho com o momento em que Dias e Noites ficarão para traz porque não orbitaremos mais em torno de estrelas e percorreremos galáxias movidos pelo pensamento e sem sofrer as restrições da matéria.

Libertos das amarras do Dia e da Noite, talvez nos tornemos estrelas pulsantes que encantam olhares de inteligências em desenvolvimento que contemplam o céu da Noite enquanto buscam o repouso para o corpo após um Dia de intenso trabalho; da mesma forma como fazemos hoje.

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