Tragédias da Guerra

Escrevendo Infinitos porque não há caminhos. Eles se fazem ao caminhar

Tragédias da Guerra

Capa do livro Vontade De Escrever

Tragédias da Guerra

do livro digital gratuito Vontade de Escrever por Guilherme Fraenkel

Agora, ainda sem fôlego, suor a pingar-me, roupas molhadas, lágrimas a escorrer pelo rosto enquanto procuro recobrar os sentidos, algo atordoados pelos momentos que me antecederam o presente, quase tombado sobre a grama verde do alto do monte, vendo o sol que produz um ar solene e triste enquanto joga sua cortina de silêncio e escuridão sob horizonte da grande planície chego às raias do arrependimento pelo ato de covardia diante da possibilidade de deixar-me abater abrindo mão de meus pontos-de-vista em detrimento da maioria.

Ainda hoje cedo revisava orgulhosamente minha farda, espada e brasão. Gabava-me de estar a serviço de um propósito maior, sem dimensionar o tamanho do esforço que, horas mais tarde, me seria demandado. Assim é a vida, passamos o tempo livre afiando nossas armas, cerzindo nossos uniformes, polindo nossos brasões e muitas vezes não nos preparamos para avaliar os perigos que nos cercam. Estamos cada vez mais prontos para entrar em combate, mas não nos preparamos para identificar se a luta é uma luta que deve ser lutada.

Agora há pouco lutei como ninguém, ainda posso ouvir o tilintar das espadas e o som do ar cortado pelos movimentos rápidos de ambos os lados. Ainda posso sentir a resistência imposta ao meu punho direito a cada golpe certeiro, o sangue inimigo a jorrar sobre mim aos borbotões misturando-se ao meu suor. Meus nervos à flor da pele, a cegueira imposta, o batimento cardíaco acelerado, a felicidade por poder lutar por meus pontos de vista e a certeza da vitória.

Agora, sentado no alto do monte dos vitoriosos, iluminado pelo sol que se põe à distância na planície, ainda sem fôlego após esplêndida demonstração de força e grande capacidade de empenhar-me em combates sem medo da derrota, posso observar melhor o terreno, completamente ignorado durante a batalha. Flores esmagadas, lindas rosas manchadas de vermelho, tufos de grama retirados do lugar pelas passadas firmes e movimentos rápidos, gemidos de dor e pedidos de clemência, corpos tombados e inertes, prelúdio de muita dor e tristeza, ferimentos profundos que me rasgam o ser. Talvez tivesse sido melhor tombar diante da força do inimigo a produzir tamanha destruição.

Amanhã, quando o sol trouxer sua resplandecente luz, as feridas ainda estarão abertas, os corações tristes e a natureza abalada. Não conseguirei olhar-me no espelho, talvez não consiga levantar-me da cama, provavelmente serei condecorado e me esforçarei por limpar minha ensanguentada espada, polir meu brasão nublado pela vergonha e cerzir minha esfarrapada farda.

Em um ano, apenas nós, os afetados pelo combate nos lembraremos de embaraçosos eventos e nos esforçaremos por aprender a identificar quais as batalhas devem ser lutadas e quais devem ser perdidas.

Rogo ao bom Deus que me ensine a diferença entre as batalhas o quanto antes, a fim de evitar novos confrontos sangrentos quando me deparar com outros adversários. Quem sabe existem outras formas de combate? Formas onde todos possamos crescer e promover um estado de plenitude, evitando desperdícios, dor e destruição. Quem sabe realmente não seja necessário temer a morte, porque ela não precisa estar em jogo?

Quem sabe a própria dor de meus ferimentos, o tempo necessário para cicatrizá-los, a dificuldade para limpar as rosas sujas, replantar as flores destruídas, repor a grama e a vergonha de ter que encarar minhas vítimas sejam as lições de que precise para aprender a diferenciar entre as batalhas que devem ser vividas e as que devem ser perdidas?

Rogo ao bom Deus que me ajude a identificar e estudar as lições que me são apresentadas. Por hora, guardarei minha espada, brasão e farda, vestirei roupas simples, portarei instrumentos de jardineiro e retornarei ao cenário da batalha, ansioso por ajoelhar-me ao solo para reajustar os danos causados à natureza.

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